sexta-feira, 20 de junho de 2014

03/06/2001 - Pentecostes - João Paulo II

SOLENIDADE DE PENTECOSTES
HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
Domingo, 3 de Junho de 2001

1. "Todos ficaram cheios do Espírito Santo" (Act 2, 4).

Foi assim que aconteceu em Jerusalém, no dia de Pentecostes. Hoje, reunidos nesta Praça, centro do mundo católico, voltamos a viver o clima daquele dia. Também no nosso tempo, como no Cenáculo de Jerusalém, a Igreja é atravessada por um "vento impetuoso". Ela experimenta o sopro divino do Espírito, que a abre para a evangelização do mundo.

Por uma feliz coincidência, na solenidade do dia de hoje temos a alegria de acolher, ao lado do altar, os veneráveis restos mortais do Beato João XXIII, que Deus plasmou com o seu Espírito, fazendo dele uma admirável testemunha do Seu amor. Este meu veneradíssimo predecessor faleceu há 38 anos, no dia 3 de Junho de 1963, precisamente quando na Praça de São Pedro uma imensa multidão de fiéis rezava, espiritualmente reunida à volta do seu leito de morte. A celebração de hoje une-se a essa oração e, enquanto comemoramos o trânsito deste Beato Pontífice, louvamos a Deus que o deu à Igreja e ao mundo.

Como Sacerdote, Bispo e Papa, o Beato Ângelo Roncalli foi extremamente dócil à acção do Espírito, que o orientou pelas sendas da santidade. Por isso, na comunhão viva dos Santos, queremos celebrar a solenidade do Pentecostes em singular sintonia com ele, deixando-nos acompanhar por algumas das suas reflexões inspiradas.

2. "A luz do Espírito Santo irrompe das primeiras palavras do Livro dos Atos dos Apóstolos... O caminho impetuoso do Espírito divino precede e acompanha os evangelizadores, penetrando na alma de quem os escuta e dilatando as tendas da Igreja católica até aos extremos confins da terra, percorrendo todos os séculos da história" (Discursos, Mensagens e Colóquios do Santo Padre João XXIII, II, pág. 398).

Com estas palavras, pronunciadas no Pentecostes de 1960, o Papa João XXIII ajuda-nos a compreender o irrefreável impulso missionário próprio do mistério que celebramos nesta solenidade. A Igreja nasce missionária, porque nasce do Pai, que enviou Cristo ao mundo; nasce do Filho que, morto e ressuscitado, enviou os Apóstolos a todas as nações; e nasce do Espírito Santo, que infunde neles a luz e a força necessárias para levar a cabo esta missão.

Também nesta dimensão missionária, a Igreja é ícone da Santíssima Trindade: ela reflecte na história a fecundidade superabundante que é própria de Deus, fonte de amor subsistente, que gera vida e comunhão. Com a sua presença e acção no mundo, a Igreja propaga entre os homens este dinamismo misterioso, difundindo o Reino de Deus, que é "justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rm 14, 17).

3. O Concílio Ecuménico Vaticano II, anunciado, convocado e inaugurado pelo Papa João XXIII, estava consciente desta vocação da Igreja.

O Espírito Santo pode justamente definir-se protagonista do Concílio, desde quando o Papa o convocou, declarando que ouviu como que vinda do Alto, uma voz íntima que ressoou no seu espírito (cf. Constituição Apostólica Humanae salutis, 25 de Dezembro de 1961, n. 6). Aquela "brisa" tornou-se "vento impetuoso" e o acontecimento conciliar adquiriu a forma de um renovado Pentecostes. "Com efeito, é na doutrina e no espírito do Pentecostes afirmou o Papa João XXIII que o grande acontecimento do Concílio Ecuménico adquiriu substância e vida" (Discursos, Mensagens e Colóquios... op. cit., pág. 398).

Caríssimos Irmãos e Irmãs, se hoje recordamos aquele singular período eclesial, é porque o Grande Jubileu do Ano 2000 se colocou em continuidade com o Concílio Vaticano II, retomando muitos dos seus aspectos de doutrina e de método. E o recente Consistório extraordinário voltou a propor a sua atualidade e riqueza para as novas gerações cristãs. Tudo isto é para nós um ulterior motivo de reconhecimento ao Beato Papa João XXIII.

4. Em particular, no contexto desta celebração de hoje, que associa ao Pentecostes um solene acto de veneração, gostaria de frisar que o dom mais precioso que o Papa João XXIII deixou ao Povo de Deus foi ele mesmo, ou seja, o seu testemunho de santidade.

Também aqui é válido o que ele mesmo afirmou sobre os Santos, isto é, que cada um deles "é uma obra-prima de graça do Espírito Santo" (Ibid., pág. 400). Depois, pensando nos Mártires e nos Sumos Pontífices sepultados na Basílica de São Pedro, acrescentava palavras que hoje voltamos a escutar com emoção: "Às vezes dá-se pouco valor às relíquias dos seus corpos, mas é sempre nelas que palpitam a sua recordação e oração". Além disso, exclamava: "Oh! São os Santos, os Santos do Senhor que nos alentam, nos encorajam e nos abençoam em toda a parte" (Ibid., pág. 401).

Estas expressões do Papa João XXIII, valorizadas pelo exemplo luminoso da sua existência, coloquem em grande evidência a importância da opção da santidade como senda privilegiada da Igreja no início do novo milénio (cf. Novo millennio ineunte, 30-31). Efectivamente, a vontade generosa de colaborar com o Espírito para a santificação pessoal e dos irmãos constitui uma condição prévia indispensável para a nova evangelização.

5. Se a evangelização exige a santidade, esta, por sua vez, tem necessidade da linfa da vida espiritual: da oração e da união íntima com Deus, mediante a Palavra e os Sacramentos. Em síntese, precisa da profunda vida espiritual pessoal.

Ainda a propósito disto, como deixar de recordar a rica herança espiritual que nos foi deixada pelo Beato João XXIII, no seu "Jornal da alma"? Naquelas páginas, pode admirar-se mais de perto o compromisso diário com que ele, desde os anos do seminário, quis corresponder plenamente à acção do Espírito Santo. Depois, deixou-se plasmar pelo Espírito dia a dia, procurando com tenacidade paciente conformar-se cada vez mais à Sua vontade. Eis o segredo da bondade com que ele conquistou o Povo de Deus e muitos homens de boa vontade!

6. Enquanto nos confiamos à sua intercessão, hoje queremos pedir ao Senhor que a graça do Grande Jubileu se irradie no novo milénio, mediante o testemunho de santidade dos cristãos.Professamos com confiança que isto é possível. É possível pela acção do Espírito Paráclito que, em conformidade com a promessa de Cristo, permanece sempre ao nosso lado.

Animados pela esperança sólida, digamos com as próprias palavras do Beato João XXIII: "Ó Espírito Santo Paráclito... torna forte e contínua a prece que recitamos em nome do mundo inteiro: apressa para cada um de nós o tempo de uma profunda vida interior: dá impulso ao nosso apostolado, que deseja alcançar cada homem e todos os povos... Mortifica em nós a presunção natural e eleva-nos às regiões da santa humildade, do verdadeiro temor de Deus e da coragem generosa. Que nenhum vínculo terrestre nos impeça de honrar a nossa vocação; nenhum interesse, por nossa ignorância, sacrifique as exigências da justiça; nenhum cálculo limite os imensos espaços da caridade dentro das angústias dos pequenos egoísmos. Tudo seja grande em nós: a busca e o culto da verdade; a prontidão para o sacrifício, até à cruz e à morte; e tudo, enfim, corresponda à última oração do Filho ao Pai celeste; e àquela efusão que de ti, ó Espírito Santo de amor, o Pai e o Filho desejaram para a Igreja e as suas instituições, para cada alma e para todos os povos. Amen!" (Discursos, Mensagens... op. cit., pág. 350).

Veni, Sancte Spiritus, veni!

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