terça-feira, 29 de abril de 2014

O demônio presente na noite escura do Espírito.


Por Igson Mendes da Silva

Para melhor assimilação do presente tema - primeiro, é necessário esclarecer alguns conceitos relevantes. Isto se deve ao fato da má compreensão que se tem hoje de certos fenômenos ligados à vida mística.

Santa Verônica em visão de Cristo cruciificado
Não é raro na atualidade entender por “vida mística”, àquela caracterizada por fenômenos extraordinários: com visões, êxtases, estigmas, etc. Tal concepção é errônea. Não são esses feitos extrínsecos, sensíveis, que consiste a essência da Mística. Na verdade, a vida mística, longe de ser algo extraordinário - deve ser tida como uma etapa natural na ordem das coisas em que o cristão vive no decorrer de sua vida espiritual. Dela, pode-se tirar como conceito fundamental, a experiência profunda cuja criatura humana faz Deus presente no íntimo de sua alma. Não obstante, após percorrer uma longa jornada!

Tomemos por exemplo, grandes santos e santas que se dedicaram à oração e práticas ascéticas. Estes, por sua vez, acabaram por ingressar numa fase conhecida por noite escura do espírito ou da alma. O termo refere-se metaforicamente ao processo de purificação da alma, que se dá na obscuridade da fé, e que nos dispõe ao matrimônio místico com o Senhor.  Em outras palavras, consiste na “ausência” de Deus na vida daquele que crê. É como se de repente Deus o tivesse abandonado ou como se sua vida de preces tivesse entrado em colapso. Mas, segundo São João da Cruz (séc. XVI), um dos maiores místicos da Igreja, sem "noites escuras" não se pode aproximar de Deus como convém. Por esse motivo, tal fase é de suma importância.

Após esclarecer alguns conceitos chaves de maneira sintética, de agora em diante desejo evidenciar à existência dos demônios e sua influência na vida espiritual; Haja vista, no presente momento, tanto sua existência como ação ser bastante contestada por certos “cristãos” e até de boa parte docente da Igreja. Para isso, recorro novamente ao testemunho deixado por grandes santos e místicos da Igreja Católica!

São João da Cruz e a
Noite Escura do Espírito
A literatura dos santos é riquíssima em textos retratando a noite escura do espírito assim como da existência do demônio. Como exemplo, temos o relato da humilde costureira e mística do século XIX, Javiera de Valle. Na sequência apresento a descrição feita por essa humilde costureira do século XIX:

“Quando a alma resolve não querer nada senão seguir o seu amado Redentor, e colocando seu olhar fixo sobre Ele, se pudesse ver o que fez e sofreu por ela seu adorável Redentor, Satanás enfurecido prepara uma grande batalha”.

(…) Se propõe arrancar de nós as três virtudes teologais. Mais onde vai colocar diretamente seu alvo é na fé, porque, obtida essa, fica mais fácil conseguir as outras duas coisas; porque é como o fundamento sobre a qual se levanta todo edifício espiritual, que é o que ele (demônio) mais quer e deseja, e pretende destruir.

Deus então silencia, não o impede em sua intenção, antes prepara o caminho para que a batalha seja mais dura. E também mantém seus olhares firmes nele, pois prepara os caminhos para deixá-lo confuso na batalha, enganado e derrotá-lo completamente, para que saíamos verdadeiros vencedores desta batalha e nos tornemos invencíveis no que vier.

Quando Satanás já se aproxima da luta, a primeira coisa que diminui é a luz clara e formosa que Deus havia nos dado, para com ela conhecermos a verdade.

A escola [do Espírito Santo] se fecha; a memória e a razão pela força da dor e o sentimento que a alma tem parecem perdidos. Pobre alma que busca a Deus e não sabe. Quer chamá-lo e não pode articular uma palavra. Tudo que sabia foi esquecido; com uma profunda piedade, sente-se sozinha, sem companhia alguma.

A quem me compararei neste estado? A nada, senão é essas  noites de verão que de repente se levantam esses nevoeiros tão fortes e horríveis, quer por sua obscuridade tenebrosa nada se vê, senão relâmpagos que assustam, trovões que deixam alguém tremendo, tufões que recordam a justiça de Deus no fim do mundo, o granizo e a pedra que parecem destruir tudo.

Não digo ao que poderia comparar: somente, sem Deus, sentir ir até ela um exército furioso, que gritam a ela que está enganada, que não existe Deus, e a cercam por todos os lados[...]

[...] Mas não a deixam prontamente, e com raciocínios tão fortes e violentos, à força, querem fazer com que ela acredite que não existe Deus, e com horríveis deboches dizem que não há o tal Deus a quem ela busca e o fazem como com um poder sobre as potências, para ao poder nem refletir nem acreditar em outra coisa se não naquilo que a força nus querem fazer entender e crer, querem que não se acredite em mais nada além daquilo que eles dizem, e não acredite em nenhuma coisa mais.

[...] Assim é uma alma sem voz, e gaguejando, como que quisesse dizer: me uno a todo o credo de minha mão, a Igreja e não quero crer em ninguém mais. E sem poder dizer mais nada, nem falar, nem entender, assim se foram meses e meses, até se passarem dois anos.

Eu tinha dezoito anos quando isso aconteceu, e quando eu tanto sofria e chorava sem consolo a perda da minha fé, amanheceu para mim o dia claro e formoso.

E assim como eu sem saber de nada, nesse estado em que me vi metida, agora também vi e senti que me tiraram dele.
Javiera Del Valle(1856-1930)
Decenário do Espírito Santo, oitavo dia


Percebemos assim que a noite escura não possui um tempo pré-determinado de passagem, por esse motivo o demônio se empenha a todo custo em deter o avanço espiritual do individuo, fazendo-o sucumbir vários pecados. Assim o faz, pelo fato de não suporta a alma que se eleva ao mais longe de seu alcance tendo uma profunda experiência de Deus, deleitando-se apenas pela vida espiritual.

Santo Inácio de Loyola sofreu tentações
de suicídio em sua noite escura do espírito
A noite escura do espírito supõe uma série de tentações de ateísmo, de escrúpulos, de suicídio ou depressão, e, em qualquer caso, são muito intensas. Santo Inácio de Loyola e Santa Teresa de Lisieux sofreram tentações de suicídio. Já Madre Teresa de Calcutá sofreu de terríveis tentações que colocavam em perigo a fé e a existência de Deus. Não há como evitar o sofrimento nestas noites, e quanto pior forem tais tentações, mais breves serão; e quanto mais brandas, mais prolongadas; No entanto, tenhamos convicção que mesmo diante da ação maligna, elas só acontecem com plena permissão de Deus, que também pode determinar o espaço de tempo necessário para que termine.

Com base no testemunho da mística Javiera Del Valle, pode-se ratificar o que sempre esteve presente na Doutrina Católica. Sobretudo, a respeito da existência dos seres decaídos, isto é, dos demônios. Como também, de sua ação e embate travado contra as almas que anseiam por alcançar a vida intima com Deus.  

Ademais, é com profundo pesar na atualidade, o fato de determinadas correntes teológicas – pra não dizer heréticas -  tratarem como fábulas uma presença real e que há muito tem arrastado almas ao precipício.

“Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que ele vos exalte no tempo oportuno. Confiai-lhe todas as vossas preocupações, porque ele tem cuidado de vós. Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar. Resisti-lhe fortes na fé. Vós sabeis que os vossos irmãos, que estão espalhados pelo mundo, sofrem os mesmos padecimentos que vós. O Deus de toda graça, que vos chamou em Cristo à sua eterna glória, depois que tiverdes padecido um pouco, vos aperfeiçoará, vos tornará inabaláveis, vos fortificará. A ele o poder na eternidade! Amém.”  (I Pd. 5,6-14) 

Igson Mendes da Silva
Presidente do Instituto Missionário Porta Fidei
 Fundador do website: www.paraclitus.com.br


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