segunda-feira, 31 de março de 2014

As realidades últimas.

Por Dom Henrique Soares.

Quantas vezes já ouvimos falar de céu, inferno, juízo final, purgatório? Trata-se de realidades sérias, partes essenciais da nossa fé católica, ligadas ao nosso destino mesmo. E, no entanto, nossas ideias sobre elas são superficiais e infantis, na maioria das vezes.

Hans Urs von Balthasar
Um dos grandes teólogos do século XX, Hans Urs von Balthasar, refletindo sobre as realidades finais, afirmava: “Deus é o Fim (= Finalidade) último das criaturas: Ele é o céu para quem O alcança, o inferno para quem O perde, o juízo para quem por Ele é examinado, o purgatório para quem é por Ele purificado, e tudo isto no modo em que Ele dirigiu-se ao mundo, isto é, no Seu Filho, Jesus Cristo, que é a possibilidade de revelação de Deus e, portanto, a síntese das coisas últimas”.

O que significa tal afirmação? Que as realidades últimas somente podem ser compreendidas e afirmadas a partir de Deus e Deus como Se revelou em Jesus Cristo, único Caminho para o Mistério. Morte, juízo, inferno, paraíso, não são realidades neutras, estranhas à nossa relação com o Senhor. Elas não podem ser compreensíveis sem uma referência a Deus e ao Seu Cristo.

O que é o céu? Para além de qualquer descrição (que seria insuficiente e até errônea, pois descrevendo, estaríamos falando não da realidade do Além, mas transformaríamos o céu num pobre aquém, num prolongamento do nosso mundo e desta nossa vidinha – e o céu não é isso!) Balthasar nos diz que o céu é Deus – e Deus como Se nos seu em Cristo! O Céu é estar no banquete eterno no qual Deus nos sacia de vida, reclinando a nossa cabeça de peregrinos sobre o seio de Cristo, como o Discípulo Amado na Última Ceia. O céu é Deus: é estar Nele, participar da Sua vida, mergulhar no mar sem fim do Seu coração! – Deus Amado, Escondido e Revelado, Desejado com ânsia, Tu és meu céu, meu refúgio, meu remanso, minha vida, meu descanso e eterna felicidade! Ganhar-Te é viver de verdade, é o gozo da plenitude sem fim e sem limites!

E o inferno? Não poderia jamais ser compreendido sem Deus, sem o infinito amor que Ele nos revelou em Jesus morto e ressuscitado. Se Deus é nossa saudade e nosso repouso, se Deus é nosso destino e nossa plenitude, perdê-Lo é nosso tormento, nossa frustração radical, nossa depressão sem cura, nosso absurdo visceral. Deus é nosso inferno, pois o aconchego do qual temos saudade – aconchego no Seu coração – nós o perderíamos para sempre e veríamos que nossa existência tornara-se absolutamente vazia, absurda, sem sentido. Deus é meu inferno como amor perdido, distante, irremediavelmente frustrado. Não há inferno maior – e não se pode imaginar o quanto tão grande seja! – que ver o Amor e se perceber irremediavelmente excluído Dele; ver a Plenitude e saber-se para sempre longe Dela, conhecer e reconhecer Aquele que é mais íntimo de nós que nós mesmos e sabê-Lo eternamente perdido para nós! Como não se pode imaginar a alegria do céu, tampouco se pode imaginar a frustração danada do inferno...

Deus é também nosso juízo. No Seu Filho pleno do Santo Espírito de Amor, fogo que ilumina, purifica e transfigura, nós veremos o que fomos, o que somos. Por aqui, por este mundo, mais das vezes nos vemos na nossa própria luz, segundo nossos próprios critérios. Mas, no Dia de Cristo, ver-nos-emos na Sua luz (e esta luz é o Espírito Santo): “Na Tua luz veremos a luz!” É Cristo morto e ressuscitado o critério da verdade e da mentira, do bem e do mal, da vida e da morte. Veremos, então, como somos vistos por Deus, ver-nos-emos na nossa verdade – e a nossa verdade é o modo como Deus nos vê!

E o purgatório? Balthasar insiste: é Deus! Deus é nosso purgatório, pois no Fogo devorador, que é o Espírito do Seu Filho Jesus, nos purifica, queimando amorosamente a escória dos nossos pecados no abrasamento apaixonado da Sua caridade, libertando-nos daquelas pequenas impurezas das quais não tivemos a coragem de nos libertar nos dias desta vida. Deus é nosso purgatório, pois no Santo Espírito de Jesus arremata a obra iniciada em nós nesta vida!


Pensemos, pois: Deus é nosso tudo, nossa Origem e nosso Destino. E tudo isto Ele é em Jesus Cristo, o Filho amado, através de quem e para quem o Pai tudo criou na potência do Espírito... É este o sentido profundo da meditação cristã sobre as coisas últimas. Todas as imagens que usamos e que o imaginário popular utiliza são para ilustrar esta realidade tão profunda e tão consoladora...

sábado, 29 de março de 2014

Agostinho e a Cidade de Deus!

Por Igson Mendes

Aurelius Augustos, mais conhecido como Santo Agostinho, nasceu no ano 354, em Tagaste, hoje Numídia, região da África. Seu pai, Patrício, era pagão e veio a converter-se próximo do leito de morte. Sua mãe, Mônica, foi uma cristã fervorosa e de grande piedade, quem deu a Agostinho os rudimentos da fé. Durante a juventude, resolve afastar-se da fé Cristã, e viver de forma dissoluta, entregue aos prazeres carnais. Só que após ler a obra de Cícero, sentiu-se menos atraído por uma vida sensual e mais comprometido com a busca da verdade. Busca essa que o fez percorrer muitos “ambientes”. Após um longo esforço para encontrar a chave da inquietação que o devorava. Tornou-se maniqueu, depois platônico, finalmente convertido, num célebre momento que ele mesmo contou com um gênio inimitável, no abra Confissões.

Grande retórico, um grande filósofo e um grande santo da Igreja. Sua obra, ao mesmo tempo vasta e profunda, exerceu e exerce muita influência em toda a cultura ocidental. Citarei algumas delas. A mais famosa, Confissões (399), foi redigida em treze livros, e trata da releitura da sua própria vida à luz da sua conversão. A Trindade (399-419), composta em quinze livros, foi um de seus registros mais significativo. No aspecto das controvérsias e combate as heresias, os  Tratados sobre a Graça mereceram-lhe da Igreja o título de Doutor da Graça. Já na perspectiva apologética, destacamos uma de suas grandes obras, A Cidade de Deus (416-427), consignada em vinte e dois tomos. Quanto ao pensamento filosófico, a referência obrigatória permanece sendo: O Livre- Arbítrio (388), em três tomos. Também A Verdadeira Religião (389-390) é uma indicação neste campo.

Dentre as obras descritas, o objeto deste artigo será ”A Cidade de Deus”. A referida obra representa o maior monumento da antigüidade cristã e, certamente, a uma das obras primas do Bispo de Hipona. Composta de vinte e dois livros, foi escrita num espaço de dez anos, limiar da queda de Roma, após o saque dos visigodos, em 410. A temática da obra volta-se a defesa do cristianismo diante das acusações dos romanos pela ruína do Império. Segundo eles, o Deus de amor dos cristãos tinha-se mostrado incapaz de proteger o império. Tinha-se em mente que a destruição de Roma era devida a um castigo pelo fato de os romanos terem abandonado os deuses da sua religião por causa do Deus dos cristãos. Então, Santo Agostinho, que neste tempo já era Bispo de Hipona, faz uma longa defesa da fé cristã diante dos ataques vindos do paganismo da época, compondo uma obra que será um elogio em defesa da religião cristã. Foi assim que nasceu o De Civitate Dei.

Conteúdo da Obra

Tem com fundamento uma interpretação do mundo à luz da Fé Cristã. Trata-se, principalmente, de uma teologia e uma filosofia da história em face de uma apologética cristã. Visando refutar as acusações advindas dos romanos, Agostinho se utiliza da história como conteúdo de argumentação. Para isso, o Bispo de Hipona distingue em três grandes seções a história antes de Cristo.

A primeira concerne à história de duas cidades após o pecado original, que ficaram confundidas em um único caos humano. Após a confusão causada, chega até a Abraão, época na qual começou a separação das duas cidades. A segunda, descreve a história da cidade de Deus, recolhida e configurada em Israel, de Abraão até Cristo. Na terceira, retoma, em separado, a narrativa do ponto em que começa cada cidade. Visando, assim, mostrar que a cidade dos homens culmina no Império Romano. Esta história, onde parece que Satanás e o mal têm o seu reino, só passa ter um sentido quando vista sob o olhar da fé que tudo principia e tudo conduz, possuindo, portanto, uma ordem transcendente. Pode-se dizer que existe uma teleologia metafísica fundante na montagem dos fatos históricos, isto é, os fatos são organizados em um mecanismo de causalidade, cuja finalidade última está no Sumo Bem, que é o Deus cristão, revelado na pessoa de Jesus Cristo. Depois de Cristo, cessa a divisão política entre as duas cidades, que se confundem como nos primeiros tempos da humanidade, com a diferença de que já não é mais união caótica, mas configurada na unidade da Igreja, que não é limitada por nenhuma divisão política, mas supera todas as sociedades políticas na universal unidade dos homens e na unidade dos homens com Deus. Esta concepção metafísica dos fatos produz uma absolutização do Cristianismo que é transferida para a sociedade criando a visão teocêntrica do Estado-Igreja – universitas - , que perpassará toda a Idade Média.

Conforme Agostinho, a origem das duas cidades, remonta à queda dos anjos. Contudo, o que as funda, de fato, são dois amores: o amor de si levado ao desprezo de Deus, que funda a cidade terrena; e, o amor a Deus que leva ao desprezo de si, que funda a cidade celestial. Hoje, estas duas cidades – a de Deus e a do Demônio – encontram-se misturadas nas cidades terrenas, pois elas só serão separadas, e seus habitantes distinguidos, no juízo final. Assim, enquanto o cristão estiver nesta terra, a sua paz consistirá em, pela graça e através da razão, dominar as paixões infames; quando, porém, estiver na paz final, ou seja, na visão clara de Deus, não será necessário a razão mandar nas paixões, pois já não existirão. Entretanto, para os que não pertencem à Cidade de Deus, ao Juízo Final sucederá a guerra final, isto é, uma batalha eterna entre as paixões que se opõem à vontade e a vontade que se opõe às paixões. A teologia da história agostiniana, desenvolvida na De Civitate Dei, não é senão a tentativa de compreender, à luz da fé cristã – máxime a partir do seu movimento escatológico – todos os momentos da história humana.

Cabe salientar, ainda, uma última questão. As duas cidades se distinguem também pela doutrina. Enquanto na cidade dos homens é permitido que a verdade conviva com o erro, na Cidade de Deus(neste ponto Agostinho parece identificá-la com a própria Igreja), aqueles que pregam o erro devem ser corrigidos, e, caso persistam em suas perversidades, tornam-se hereges e devem ser excluídos da comunhão eclesial, passando a serem vistos como inimigos.

Divisão da Obra

A obra se divide em vinte e dois livros, composta de duas partes:

 Parte I  - Cidade de Deus:  I – Em defesa da religião cristã; II – Os deuses e a degradação de Roma; III – Os deuses e os males físicos em Roma;  IV – A grandeza de Roma como dom divino; V – O destino e a Providência; VI – A teologia mítica segundo Varrão; VII – A teologia civil e seus deuses; VIII – Teologia natural e filosofia;   IX – Cristo, Mediador;  X – O culto ao verdadeiro Deus.

 Parte II - A Cidade de Deus: Contra os pagãos: XI – Origem das duas cidades;  XII – Os anjos e a criação do homem; XIII – A morte como pena do pecado; XIV – O pecado e as paixões;  XV – As duas cidades da terra; XVI – De Noé aos profetas; XVII – Dos profetas a Cristo; XVIII – Paralelismo entre as duas cidades; XIX – Fim das duas cidades; XX – O juízo final; XXI – O inferno, fim da cidade terrena; XXII – O céu, fim da cidade de Deus.

Na primeira parte, Agostinho tenta mostrar como o culto aos deuses não proporciona nem a felicidade temporal, nem, tampouco, a felicidade eterna. Mostra como as “funções” dos deuses são truncadas sendo que um pode ser confundido facilmente com outro, concluindo que só podem ser demônios. Trata dos males morais imposto pelos deuses e vivido pelos pagãos, como os jogos cênicos, relata inúmeras guerras, lutas, violências, barbaridades ocorridas em Roma desde Rômulo até César Augusto, sendo sob seu império que Jesus nasceu; e conclui que se tais horrores tivessem acontecido no tempo de Jesus, da religião cristã, atribuiriam a Ele tais males, sendo que não faziam isso nem mesmo a seus deuses.  No final, chama a atenção dos cristãos para o dever de cultuar o verdadeiro e único Deus.

Na segunda parte da obra, que compreende todos os livros restantes (XI- XXII), é que Agostinho desenvolve a sua chamada teoria das duas cidades. Nela trata tanto da origem (XI-XIV) e desenvolvimento (XV-XVIII) das duas cidades, quanto de seus respectivos fins (XIX- XXII).  Agostinho, trabalha com o Novo Testamento, mostrando os diversos mistérios da vida humana baseado no juízo atual de Deus que é inescrutável e incompreensível; Fala da existência do juízo final onde os mortos serão ressuscitados segundo a carne;  do destino dos maus e dos bons; Afirma que a dor é algo privativo da alma, pois o corpo não sente dor sem ser animado; que a primeira morte tira a alma do corpo contra a sua vontade, a segunda a mantém no corpo contra a sua vontade, pois no inferno a pessoa, alma e corpo, sentirá a dor que o fogo lhe causará por toda a eternidade; Trabalha sobre a eterna felicidade da Cidade de Deus, baseado nas promessas divinas; Confessa que nem os anjos sabem como será nossa vida nesta santa cidade, só se sabe que veremos a Deus em tudo e em todos, que não haverá mais pecado, que haverá no céu diferentes graus de glória, que se terá consciência de toda miséria passada e as misérias dos condenados e que nós estaremos num sabatismo eterno.

Conclusão da Obra.

A obra é considerada um marco na literatura Cristã. Nela qual Agostinho tenta convencer os cristãos e os pagãos que a destruição do Império Romano fazia parte da vontade divina. Um verdadeiro discurso filosófico que é encontrado em todo o desenrolar da obra Cidade de Deus. Através uma leitura atenta, é possível enfocar o desfecho das duas cidades que se divergem e se entrelaçam em si mesmas: a Babilônia, o lugar do Cativeiro, do presídio, do afastamento de Deus, e a Jerusalém, o lugar da vida em abundância, da libertação.


A “missão” de Agostinho ao escrever a Cidade de Deus, tem a real intenção retórica para humanizar e salvar os homens.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Serviços de Inteligência.


Por Ives Gandra Martins

Na década de 90, Alvin Toffler escreveu "Guerra e Antiguerra", no qual defendia a tese de que as guerras futuras serão ganhas não por generais em campo de batalha, mas pelos serviços de inteligência. Em eventual conflito, quem dispuser de mais informações, prevalecerá.

Os serviços de inteligência, por muitos denominados de espionagem, buscam ter as informações necessárias para que os governos possam decidir as políticas a serem adotadas perante eventuais adversários, criminosos ou inimigos externos. Até mesmo perante nações amigas.

Tem o governo federal seus serviços de inteligência nas Forças Armadas, na Receita Federal, na Polícia Federal e na Abin (Agência Brasileiro de Inteligência), que oferecem dados relevantes para determinar as suas ações.

É bem verdade que o direito à privacidade é uma cláusula pétrea no Brasil (artigo 5º, incisos X, XI e XII), mas até mesmo essa cláusula pétrea pode ser oficialmente quebrada mediante autorização judicial. Infelizmente, não poucas vezes é quebrada pelas mais variadas ações públicas e privadas (hackers). Quando descobertas pela imprensa, tornam-se escândalo público.

De rigor, com a evolução da informática, o direito à privacidade tornou-se, melancolicamente, um segredo de polichinelo, tendo, por exemplo, a Receita Federal mais informações sobre a vida econômica de cada contribuinte do que o próprio contribuinte. E legalmente.

No plano internacional, podem as nações defender-se por meio de serviços de inteligência contra potenciais inimigos, aliados ocasionais ou movimentos subversivos internos ou externos com o aprimoramento de seus serviços de inteligência.

Depois do dia 11 de setembro de 2001 --quando os serviços de inteligência americanos detectaram a possibilidade de ataque, mas as autoridades não avaliaram com o devido cuidado as informações de que dispunham--, toda a estratégia dos Estados Unidos, que, a partir da guerra da Coreia em 1952, tinha sido consideravelmente valorizada e alicerçada nesses serviços secretos, foi definitivamente erigida como elemento chave na defesa da nação.

Por variados motivos que não cabe aqui analisar, tornou-se a nação preferencial de ataques no próprio território ou no exterior.

É, pois, natural que cada país, nos limites de sua tecnologia, busque ter informações sobre seus vizinhos ou potências adversárias.

Os serviços de inteligência, portanto, estão na essência da segurança do Estado e sabe-o não só a presidente da República, como todos os órgãos responsáveis por garanti-la.

O encarregado da embaixada brasileira na Bolívia arriscou-se a tirar de lá o senador exilado havia um ano e meio, porque detectou os riscos concretos de sua permanência.

No Velho Testamento (livro de Josué), os hebreus derrotaram Jericó depois de enviarem dois espiões até a cidade e, tendo obtido informações de uma prostituta, trouxeram-nas para que Josué pudesse invadir a cidade, preservando, inclusive, a vida da informante.

É de se lembrar que, o combate à criminalidade, no Brasil e no mundo, faz-se a partir de serviços de inteligência. Parece-me, pois, inviável a proposta da presidente Dilma de um Código de Ética da Espionagem, a ser levada ao G-20, porque, até o fim dos tempos, os serviços de inteligência (espionagem) continuarão a representar o sistema de segurança de qualquer país.

Por essa razão, nenhum espião pede autorização do espionado para espionar e todas as nações sempre negam que espionam, a não ser quando descobertas. É tão utópico acabar com a espionagem quanto acabar com a corrupção no poder.

quarta-feira, 26 de março de 2014

A ideologia de gênero.


Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Semana passada, foi objeto de votação na Câmara Federal a introdução da ideologia de gênero no Plano Nacional de Educação. Devido a forte e sadia oposição, inclusive com manifestações organizadas, - faixas e cartazes com dizeres “Não ao Gênero e sim ao Sexo”, “Não à ideologia do gênero”, nas mãos de cerca de duzentos jovens, - foi feito um pedido de vistas e a matéria deve retornar amanhã à pauta da Comissão Especial.

A ideologia de gênero quer eliminar a ideia de que os seres humanos se dividem em dois sexos, afirmando que as diferenças entre homem e mulher não correspondem a uma natureza fixa, mas são produtos da cultura de um país, de uma época. Algo convencional, não natural, atribuído pela sociedade, de modo que cada um pode inventar-se a si mesmo e o seu sexo.

O feminismo do gênero, que promove essa ideologia, procede do movimento feminista para a igualdade dos sexos. A ideologia de gênero, própria das associações LGBT, baseia-se na análise marxista da história como luta de classes, dos opressores contra os oprimidos, sendo o primeiro antagonismo aquele que existe entre o homem e a mulher no casamento monogâmico. Daí que essa ideologia procura desconstruir a família e o matrimônio como algo natural. Em consequência, promovem a “livre escolha na reprodução”, eufemismo usado por eles para se referir ao aborto provocado. Como “estilo de vida”, promovem a homossexualidade, o lesbianismo e todas as outras formas de sexualidade fora do matrimônio. Entre nós, querem introduzir essa ideologia, usando o termo “saúde reprodutiva”. E usam a artimanha de palavras, especialmente “discriminação” e "luta contra o preconceito”. Sob esse nome sedutor – pois todos somos contra a discriminação injusta e o preconceito – querem fazer passar a ideologia do gênero, a ditadura do relativismo moral, estabelecendo uma nova antropologia anticristã, sob o nome de democracia. O art. 2º, III, desse Plano Nacional de Educação estabelece que a ideologia de gênero será implementada obrigatoriamente em todas as instituições escolares públicas, privadas e confessionais nas metas, planos  e currículo escolar, inclusive no material didático sem que os pais ou professores possam ser opor.

Essa campanha é internacional. Na Itália, por exemplo, os folhetos distribuídos nas escolas pretendem ensinar a todos os alunos que “a família pai-mãe-filho é apenas um ‘estereótipo de publicidade’; que os gêneros masculino e feminino são uma abstração; que a leitura de romances em que os protagonistas são heterossexuais é uma violência; que a religiosidade é um valor negativo; chega-se ao ridículo de censurar os contos de fadas por só apresentarem dois sexos em vez de seis gêneros, além de se proporem problemas de matemática baseados em situações protagonizadas por famílias homossexuais”.


Você também está convidado a reagir contra essa ditadura ideológica, assinando a petição aos deputados, pedindo a não inclusão da Ideologia de Gênero no PNE. Basta clicar no link http://www.citizengo.org/pt-pt/5312-ideologia-genero-na-educacao-nao-obrigado.

terça-feira, 25 de março de 2014

Santo Agostinho: Católico ou “Protestante”?

Uma primeira aproximação da sua Eclesiologia e Exegese
  
João Calvino.
Um dos “reformadores” mais famosos – João Calvino – certa feita proclamou: “Augustinus totus noster est” [Agostinho é todo nosso]. Reivindicava assim – para a “Reforma” – o pensamento do Santo Doutor. Calvino pensava, sobretudo, na doutrina da graça segundo Agostinho. Não é o caso de adentrarmos aqui no contexto da obra do reformador. Fato a se ressaltar é apenas que a ideia expressa nesta máxima ainda perdura em algumas escolas do protestantismo. Entretanto, a máxima é falsa e uma injúria à memória do Santo Bispo. Não há como desmascará-la ponto por ponto na obra de Santo Agostinho, mas seguiremos de perto a via aberta pelo Pe. Leonel Franca que – noutro contexto – deparou-se com a mesma dificuldade:

Não nos é possível demonstrar aqui todo o dogma católico com trechos de S. Agostinho, mas podemos esboçar as suas ideias sobre as questões fundamentais, dentro de cujos limites restringiremos a nossa polêmica com o protestantismo.[1]

Não faremos abundar no texto os originais latinos, porque a indicação bibliográfica nos dispensará disso, uma vez que conduzirá o leitor interessado ao original. De mais a mais, não seguiremos, ipsis litteris, a tradução do invicto jesuíta, pois morto em 1948, suas excelentes traduções “padecem”, de qualquer modo, dum português – infelizmente – caído em desuso. Outrossim, como queremos chegar a todos os irmãos, também não verteremos o texto latino de forma literal e demasiado técnica. Feitas estas ponderações, prosseguiremos – sem mais – no trâmite que propusemos.

A primeira questão que colocamos é: em Agostinho, qual é o caminho para se
Santo Agostinho.
chegar a Cristo? Aos textos. Em seu primeiro livro escrito como sacerdote, De Utilitate Credendi [Da Utilidade de Crer, 391/392], Agostinho já exorta o maniqueu Honorato: “Segue a via da disciplina católica que, de Cristo mesmo, por meio dos Apóstolos, chegou até nós, e que se estenderá à posteridade”[2]. Noutra obra, Contra Faustum Manichaeum [397/400, 33 livros], ele ensina: “Por aí podes ver quanto vale a autoridade da Igreja Católica, fundada sobre a solidíssima base dos Apóstolos, a qual se firma na sucessão ininterrupta dos bispos e no consenso de tantos povos”[3]. Noutro passo, reconhecendo-se filho desta Igreja, o Santo Doutor, rechaçando como sacrílega a opinião daqueles que pensam haver nela qualquer mácula em matéria de fé, celebra: “Igreja Católica, verdadeira esposa do verdadeiro Cristo [vera sponsa veri Christi Ecclesia catholica]”[4]. É dela – e somente dela – enquanto legítima esposa de Cristo, que são gerados os verdadeiros filhos de Deus. A Igreja é o nosso vínculo com Cristo. Sua fidelidade – expressa na sucessão ininterrupta dos bispos e na pureza da doutrina – transmite o sagrado liame entre nós e Nosso Senhor.

Mas prossigamos. É a Bíblia a única fonte da nossa fé [Sola Scriptura]? Podem as Escrituras ser interpretadas por livre exame, isto é, independentemente do juízo da Igreja? Nem uma coisa nem outra. A Bíblia não é passível de interpretação individual, porque o seu próprio cânon foi estabelecido pela autoridade da Igreja. Desta feita, é a Igreja – e não qualquer – que pode dar a legítima interpretação da Bíblia. Assim, a Fausto – maniqueu – que, além de distorcer passagens das Escrituras, usava outras fontes – que não as canônicas – para demonstrar suas teses espúrias, o nosso Doutor adverte: “[...] mostre-[me], não mediante quaisquer escritos, mas com os eclesiásticos, canônicos, católicos. Os outros escritos não possuem, para nós, nenhum peso de autoridade nesta matéria”[5]. Noutra obra, também do começo de sua vida como presbítero, De Sermone Domini in Monte, ele afirma ao povo – turbado por uma citação feita pelos hereges – “A esta escritura é-nos lícito não crer, porque não está no cânon católico[6]. Noutro opúsculo de 397, chamado Contra epistolam quam vocant fundamenti – ainda litigando contra os maniqueus – o Santo Doutor faz uma declaração surpreendente: “Eu, na verdade, não creria no Evangelho se não me impulsionasse a isso a autoridade da Igreja Católica[7]. Santo Agostinho ensina que, assim como Cristo – quando do Seu ministério terreno – ensinava o povo, da Barca, assim, hoje e pelos séculos, Ele ensina os povos pela autoridade da Igreja, da qual não é lícito se afastar: “O Senhor que, da barca, ensina as multidões, foi sinal para o nosso tempo, quando o Senhor ensina os povos pela autoridade da Igreja[8].

Valia-se Agostinho do livre exame em suas obras exegéticas? Decerto que não. Numa de suas obras exegéticas – De Genesi ad litteram imperfectus – escrita pouco depois de ordenado sacerdote [393], ele começa precisamente afastando a possibilidade de fazer – como os hereges – uma interpretação individual do livro sagrado. Afirma:

E porque muitos hereges têm o hábito de acomodar a explicação das divinas Escrituras à sua opinião contrária à doutrina católica, é necessário explicar sucintamente a fé católica antes de entrar no assunto deste Livro.[9]

Para Agostinho, a Bíblia pode não ser útil; antes, pode ser mesmo nociva, se não for compreendida corretamente. Por isso mesmo – como deixa claro numa Epístola – o livre exame das Sagradas Escrituras, e o apego ao senso individual delas, são as causas das heresias:

(...) porque nem mesmo as Sagradas Escrituras, que nos exortam a prestar fé a realidades tão grandes antes que possamos entendê-las, poderão lhe ser úteis, se não as entenderem retamente. Todos os hereges que recebem a autoridade das divinas Escrituras creem seguir a elas, quando seguem a seus próprios erros; porém, são hereges não porque desprezem às Sagradas Escrituras, mas porque não as entendem.[10]

Basta amar à Bíblia? Não! Basta aceitá-la como Palavra de Deus? Não! Basta entendê-la segundo o senso de cada um? Uma vez mais, não! É preciso aceitar a interpretação que a Igreja docente no-la dá. Neste sentido, o grande Doutor, recrimina a Juliano, não por não acolher à Bíblia, mas por não a ler como a Igreja: “(...) não queres aceitar as palavras apostólicas [i.é., do Apóstolo] como as aceita a Igreja Católica desde a sua fundação”[11].

Do quanto dissemos, decorre que as Escrituras não são a única fonte da fé. Agostinho reconhece isso, máxime naquelas questões em que os textos das Escrituras não dirimem de todo as dúvidas, salvo quando interpretados à luz duma tradição – proveniente dum magistério – constituído por uma sucessão ininterrupta. De resto, Agostinho sente-se membro vivo desta sucessão, e responsável por transmitir – de forma íntegra – aos pósteros, o que ele próprio recebeu. Afirma ele num Sermão, já como Bispo:

Nós, ou seja a fé católica, que vem da doutrina dos apóstolos, e foi plantada em nós, e é recebida através de idades sucessivas e deve ser transmitida aos vindouros perfeitamente sã, nós, digo, sustentamos a verdade que se encontra entre as duas correntes de hereges, entre um e outro erro.[12]

Sobre o papel do Magistério eclesiástico voltaremos mais tarde; por agora, insistamos na existência duma tradição apostólica distinta da Bíblia. Agostinho afirma-a. Mencionemos apenas algumas. No tratado, De Baptismo contra Donatistas Libri Septem [400/1], ele afirma que “Há muitas coisas que a Igreja universal conserva e que, por isso, tem-se motivo para crer que foram os apóstolos que as ordenaram, embora não se encontrem escritas”[13]. Na mesma obra, declara acerca do costume de não se repetir o batismo:

Este costume – creio – vem da tradição apostólica, como muitas outras coisas que não se encontram em seus escritos [i.é., dos apóstolos] nem nos concílios dos seus posteriores, e, contudo, porque são conservadas pela Igreja universal, são cridas como transmitidas e recomendadas por eles [i.é., pelos apóstolos].[14]

Noutro opúsculo – De cura pro mortuis gerenda – que data do ano de 421, para sanar qualquer dúvida acerca da licitude do sufrágio pelos mortos, o Santo Doutor recorre à Tradição:

Entretanto, ainda que não deparássemos em parte alguma do Antigo Testamento a mínima referência a este respeito, não é de pouco peso a autoridade da Igreja universal, na qual é manifesto este costume. Assim, nas preces em que o padre dirige suas orações ao Senhor Deus junto do altar, é reservado espaço especial para a encomendação dos mortos.[15]

A Sagrada Tradição na Igreja.
Demos um passo adiante. E quando, não digo as Escrituras, mas a própria Tradição comporta interpretações diversas e contrastantes mesmo entre os bispos? Quando isso ocorre – afirma Agostinho – se a dúvida realmente se presta a causar dano à fé, importa ser sanada por meio dum concílio ecumênico, cuja decisão está acima do magistério de um epíscopo em particular ou mesmo dum concílio de uma só província: “Com quanta maior facilidade e força se devem preferir as determinações estabelecidas pela Igreja universal [universae Ecclesiae statuta] à autoridade de um só bispo ou ao concílio de uma só província?”[16] Noutro passo da mesma obra contra os donatistas, ele próprio se reconhece sob o consenso da Igreja universal: “Nem nós ousaríamos defender a tal tese, se não a sustentasse a concordíssima autoridade da Igreja universal [universae Ecclesiae concordissima auctoritate]”[17]. De fato, contra os donatistas, Agostinho replica que, se no tempo de São Cipriano, a verdade acerca da questão do batismo já houvesse sido elucidada e declarada por um concílio plenário, ele certamente declinaria e assentiria “(...) à autoridade de todo o orbe [universi orbis auctoritas]”[18].

Em outro escrito – Contra Cresconium grammaticum [406] – dirigido contra um donatista, Santo Agostinho afirma que este caiu em heresia, exatamente porque não recorreu ao que reza o consenso da Igreja universal, quando as próprias Escrituras – sujeita a interpretações errôneas – afirmam, sem pestanejar, que a Igreja não falha em matéria de fé. Em outras palavras, seguimos a Escritura, não quando a interpretamos segundo o nosso juízo, mas quando nos submetemos ao senso da Igreja:

Assim, ainda que sobre esta questão não seja proferido algum exemplo certo pelas Escrituras canônicas, também sobre este assunto nos mantemos na verdade, ao praticarmos o que pareceu bem à Igreja universal, que recomenda a autoridade das mesmas Escrituras.[19]

Enfim, a Igreja – na catolicidade dos seus Concílios dogmáticos – quando doutrina acerca de fé e moral, é infalível: “[...] a mãe Igreja, perfeita, não comete erros e se difundiu por todo o universo”[20]. Destarte – num sermão da maturidade – o Santo Bispo afirma que a Igreja católica é a verdade. Pelo que, quem dela se apartar ou for separado, cai fatalmente no erro:

Efetivamente, no seio da Igreja, permanece a verdade. Quem se separar do seio da Igreja, necessariamente falará falsidades; necessariamente, digo, falará falsidades, quem não quis ser concebido, ou quem a mãe expeliu, depois de o conceber.[21]

De sorte que quem a abandona ou é por ela abandonado – quem se volta contra ela – perde a salvação. Por conseguinte, para Agostinho – ouçamos bem – não há pecado mais grave do que o cisma, precisamente porque nada pode justifica-lo:

Nós expomos estes textos das Santas Escrituras, a fim de que se torne evidente que não é fácil encontrar algo mais grave do que o sacrilégio do cisma, porque não existe necessidade alguma que possa justificar a ruptura da unidade.[22]

Entretanto, noutras obras, o Santo Doutor pondera. Ele não tem o pensamento ingênuo de que, quantos estejam atualmente fora da Igreja, seja massa danada. Numa de suas epístolas, reconhece que nem todos os que caem no erro são heréticos, mas somente aqueles que o defendem com contumácia. Nem devem ser tomados por hereges aqueles que, inobstante nascidos na heresia, não a defendem com pertinácia. Quanto a estes, devemos crer que possuem as disposições necessárias para que, tão logo conheçam a verdade, convertam-se a ela:

Não devem ser tidos por hereges os que não defendem com pertinaz animosidade sua sentença, embora seja ela perversa e falsa; principalmente se eles não as criaram por própria e audaz presunção, senão que foram seduzidos e induzidos a erro enquanto a receberam de seus pais. De mais a mais, se buscam com cauta solicitude a verdade, e estão dispostos a se corrigirem tão logo a encontrem, [não devem ser contados entre os hereges].[23]

Num escrito do ainda neófito Agostinho, o De Vera Religione [389/90], ele admite que, mesmo os excomungados, não devem desesperar da sua salvação. Não o despreocupa o fato de muitos deles terem sido excomungados injustamente e vê em alguns deles, inclusive, membros sofredores da Igreja que podem chegar à santificação. De fato, tantos são aqueles que, se não excomungados oficialmente, não fazem parte da massa falante. Nosso Doutor reconhece-lhes um direito de cidadania na Igreja:

Por vezes, permite a própria Providência que homens justos sejam desterrados da Igreja católica por causa de alguma violência partidária muito turbulenta da parte de homens carnais. Se as vítimas dessas injustiças ou injúrias suportarem com paciência, pela paz da Igreja, sem introduzir movimentos cismáticos ou heréticos, ensinarão a todos, com que verdadeiro afeto e sincera caridade se deve servir a Deus. A intenção de tais homens é o regresso, uma vez passada a tempestade. Ou, se não lho permitirem – por não ter cessado o temporal ou por haver ameaça de que se enfureça ainda mais com o seu retorno – mantenham-se na firme vontade de prover o bem dos próprios agitadores a cuja sedição e turbulência tiveram de ceder. Defendam até morrer e sem suscitar divisões, ajudem com seu testemunho a manter aquela fé que sabem ser pregada pela Igreja católica. A esses, o Pai que vê no secreto interior, coroará secretamente. Parece ser rara essa categoria de homens, mas exemplos não faltam e são ainda mais freqüentes do que se poderia crer.[24]

Observemos que não se trata, aqui, de hereges ou suspeitos de heresia, nem daqueles que possuem ânimo cismático. Trata-se, antes, de homens que nutrem grande amor pela Igreja e grande zelo pela ortodoxia da sua doutrina; homens que, num dado momento, se viram excluídos dela por partidos. Santo Agostinho, noutra obra – Ad Donatistas post Collationem [406] – ainda a este propósito, admite, pois, haver na Igreja, bons e maus; e, ancorado na parábola evangélica [Mt 13, 47 a 50], diz que assim será até o final dos tempos. Pelo que – para ele – não é a simples presença exterior na Igreja, senão a santificação pela graça, que nos faz membros vivos da Igreja e nos abre as portas do Reino dos Céus. Destarte, os verdadeiros membros da Igreja, conhecê-los-emos – com máxima certeza – apenas no juízo final. Por hora, eles permanecem desconhecidos como as intenções dos corações:

Todavia, nesta parábola do Evangelho que recordamos, na qual se diz que bons e maus peixes se encontram unidos numa mesma rede até que sejam separados na praia, isto é, no fim do mundo, os vossos bispos – vencidos pela evidência da verdade – confessaram que os maus se encontram mesclados na Igreja até o fim do mundo; porém, disseram que estavam ocultos, já que os ignoram os sacerdotes, do mesmo que os pescadores não distinguem os peixes nas redes enquanto estão no mar.[25]

Demos mais um passo. Se quando surgem dúvidas acerca das Escrituras, importa recorrer à Tradição e, quando mesmo a tradição conhece interpretações contrastantes, cumpre voltarmo-nos aos Concílios Ecumênicos, a fim de verificar o que, de fato, é oriundo da Tradição apostólica, a verdade é que nem sempre é possível convocar Concílios. Mas nem por isso devemos desesperar de encontrar à verdade, haja vista que “[...] Deus colocou, na cátedra da unidade, a doutrina da verdade”[26] [Dei, qui in cathedra unitatis doctrinam posuit veritatis]. Ora, já durante o ministério de Cristo, este primado sempre pertenceu a Pedro:

Assim, certas expressões parecem aplicar-se propriamente ao apóstolo Pedro, no entanto não oferecem sentido muito claro a não ser que se refiram à Igreja, que ele figurava, devido ao primado de que gozava entre os discípulos.[27]

Igreja Romana a sé do Apóstolo Pedro
Destarte, sendo a Igreja Romana a sé do Apóstolo Pedro, “[...] a quem o Senhor confiou, após a ressurreição, o pastoreio das Suas ovelhas [Jo 21, 15 a 17]”[28], é ela a Igreja “[...] na qual sempre vigorou a primazia da cátedra apostólica [...]”[29]. Então, estar em comunhão plena com ela é estar em comunhão com os Apóstolos, é estar em comunhão com a verdadeira Igreja. A bem da verdade, nem o hereges e cismáticos o negam, pois nenhum deles – ao ser solicitado por um forasteiro acerca da Igreja Católica – aponta outra basílica ou a sua casa, senão a Igreja Romana:

Tem, finalmente, o próprio nome “católico”, que, não sem causa, só esta Igreja [i.é. a Romana] obteve entre tantas heresias. Assim, não obstante todos os hereges queiram se dizer católicos, quando algum peregrino pergunta onde se reúne a [Igreja] Católica, nenhum dos hereges ousa mostrar a sua basílica ou a sua casa.[30]

À Igreja de Roma, a autoridade suprema da cristandade. Como não bastassem os vaticínios dos profetas, a vida e a doutrina de Cristo, ela é reconhecida pelo sangue dos mártires, pelas cruzes e pela vida invulgar dos santos. Constatam a sua supremacia, não só a sucessão dos bispos ou a autoridade dos concílios ou mesmo os milagres, mas também o gênero humano, pois o mais das vezes os hereges foram condenados pelo juízo do próprio povo. Ora, ante tal nuvem de testemunhas, o primado da Igreja de Roma apresenta-se também como um fato histórico: “De modo que, não querer dar-lhe o primado é, deveras, ou um ato de suma impiedade ou de precitada arrogância”[31].

À decisão do Papa Inocêncio I [417] – acerca do pelagianismo – segue o anúncio da mesma pelo Bispo de Hipona nestes termos:

De fato, a propósito desta causa, já foram enviados – para a Sé Apostólica – dois concílios; de lá também já vieram as respostas. A causa está terminada. Oxalá, enfim, seja acabado o erro! [Causa finita est: utinam aliquando finiatur error!].[32]

Aos que se separaram da Igreja de Roma, a sorte lhes reserva a desdita de uma ininterrupta divisão, sendo o ódio àquela da qual se desviaram o único elo entre eles:

Portanto, irmãos, os que se dividem, trazem em si a espada da divisão, e por sua espada morrem e de sua espada vivem (...). Vede-os – meus irmãos – os que se separaram da unidade, como em vão são divididos [in quo frustra precisi sunt].[33]

De fato, a absurdidade dos cismáticos consiste nisto: “Discordam entre si, concordam todos contra a unidade [Dissentiunt inter se, contra unitatem omnes consentiunt]”[34]. Mas em nada isso poderá macular a unidade da Igreja, que – segundo a palavra do Seu Senhor [Mt 16, 18] – prevalecerá até o fim dos séculos:

A Igreja não será vencida [Non vencetur Ecclesia], não será desarraigada, não cederá a tentação alguma, até que venha o fim deste mundo, e aquela habitação eterna nos receba ao sairmos desta morada temporal, aonde nos conduzirá aquele que se tornou a nossa esperança.[35]

Amemos, pois, a Igreja, não como algo distinto de Cristo, mas como um prolongamento de Cristo na história, como aquela que – pela virtude do Seu Esposo divino [Ef 5, 25 a32] – nos gera para a vida imperecível: “Amemos o Senhor nosso Deus, amemos sua Igreja; a ele enquanto pai, a esta enquanto mãe”[36]. Quantos aos desgarrados, resta-nos apenas orarmos para que se convertam, e, convertendo-se, aceitem a chamar a Deus de pai e a Igreja de mãe:

Orai também pelas ovelhas dispersas, que elas mesmas também venham, que elas mesmas também reconheçam, que elas mesmas também amem; para que seja um só rebanho e um só pastor [Jo 10, 16].[37]

Fazemos nosso o convite do Santo Bispo. De toda forma, o vosso protestante, ei-lo!




[1] FRANCA, Leonel. Catolicismo e Protestantismo. Rio de Janeiro: Schmidt-Editor, 1933. p. 94. 
[2] AGOSTINHO. De utilitate credendi ad Honoratum liber unus. 8, 20. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/utilita_credere/utilita_credere.htm>. Acesso em: 05/003/2014. (A tradução e os sublinhados são nossos).
[3] AGOSTINHO. Contra Faustum Manichaeum. XI, 2. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/contro_fausto/libro_11_testo.htm>. Acesso em: 05/3/2014. (A tradução e os sublinhados são nossos).
[4] Idem. Ibidem. XV, 3. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/contro_fausto/libro_15_testo.htm> Acesso: 05/03/2014. (A tradução é nossa).
[5] Idem. Ibidem. XXIII, 9. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/contro_fausto/libro_23_testo.htm>. Acesso em: 06/003/2014. (A tradução e o sublinhado são nossos). 
[6] AGOSTINHO. De Sermone Domini in Monte. I, 20, 65. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/montagna/montagna_1.htm>. Acesso em: 06/03/2014. (A tradução é o sublinhado são nossos).
[7] AGOSTINHO. Contra epistolam manichaei quam vocant fundamenti liber unus. 5, 6. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/contro_lettera_mani/contro_lettera_mani.htm>. Acesso em: 06/03/2014.
[8] AGOSTINHO. Quaestionum Evangeliorum libri duo. II, 2. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/questioni_vangeli/questioni_vangeli_2.htm>. Acesso em: 06/03/2014.  (A tradução e sublinhado são nossos).
[9] AGOSTINHO. Comentário Literal ao Gênesis, inacabado. Trad. Agustinho Belmonte. Rev. J. Figueiredo. São Paulo: Paulus, 2005. I, 1.
[10] AGOSTINHO. Epistola 120. 3, 13. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/lettere/lettera_121_testo.htm>. Acesso em: 07/03/2014. (A tradução é nossa). 
[11] AGOSTINHO. Contra Secundam Iuliani Responsionem Imperfectum Opus. II, 87. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/incompiuta_giuliano/incompiuta_giuliano_2.htm> . Acesso em: 07/03/2014. (A tradução e os colchetes são nossos).
[12] AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de São João: Luz, Pastor e Vida. 2ª ed. Trad. José Augusto Rodrigues Amado. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1960. v. III. XXXVII, 6.
[13] AGOSTINHO. De Baptismo contra Donatistas Libri Septem. V, 23, 31. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/sul_battesimo/sul_battesimo_5.htm>. Acesso em 07/03/2014. (A tradução é nossa).
[14] Idem. Ibidem. II, 3, 13. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/sul_battesimo/sul_battesimo_5.htm>. Acesso em 07/03/2014. (A tradução e os colchetes são nossos). 
[15] AGOSTINHO. O cuidado devido aos mortos. Trad. Nair de Assis Oliveira. Rev. Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2002. 1, 3. p. 156.
[16] AGOSTINHO. De Baptismo contra Donatistas Libri Septem. II, 1, 2. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/sul_battesimo/sul_battesimo_2.htm>. Acesso em 08/03/2014. (A tradução é nossa).
[17] Idem. Ibidem. II, 4, 5. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/sul_battesimo/sul_battesimo_2.htm>. Acesso em 08/03/2014. (A tradução é nossa).
[18] Idem. Ibidem. (A tradução é nossa). 
[19] AGOSTINHO. Contra Cresconium Grammaticum Donatistam Libri Quartuor. I, 33, 39. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/contro_cresconio/contro_cresconio_1.htm>. Acesso em: 08/03/2014. (A tradução é nossa).
[20] Idem. Comentário Literal ao Gênesis, inacabado. I, 4.
[21] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. Trad.  Monjas Beneditinas. Rev. H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1997. v. II. 57, 6. p. 145.
[22] AGOSTINHO. Contra Epistulam Parmeniani Libri Tres. II, 11, 25. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/contro_parmeniano/contro_parmeniano_2.htm>. Acesso em: 08/03/2014. (A tradução e os colchetes são nossos). 
[23] AGOSTINHO. Epistola 43. 1, 1. Disponível em <http://www.augustinus.it/latino/lettere/lettera_043_testo.htm>. Acesso em: 09/03/2014.
[24] AGOSTINHO. A Verdadeira Religião. Trad. Nair de Assis Oliveira. Rev. Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2002. 6, 11. pp. 36-37. 
[25] AGOSTINHO. Ad Donatistas post Collationem. 8, 11. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/donatisti_dopo_conf/donatisti_dopo_conf.htm>. Acesso em: 09/03/2014. (A tradução é nossa).
[26] AGOSTINHO. Epistola 105. 5, 16. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/lettere/lettera_106_testo.htm>. Acesso em: 10/03/2014. (A tradução é nossa).
[27] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. Trad. Monjas Beneditinas. Rev. H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2008.  v. III. 108, 1. p. 246.







[28] AGOSTINHO. Contra epistolam manichaei quam vocant fundamenti liber unus. 4, 5. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/contro_lettera_mani/contro_lettera_mani.htm>. Acesso em: 10/03/2014. (A tradução é nossa).
[29] AGOSTINHO. Epistola 43. 3, 7. Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/lettere/lettera_043_testo.htm>. Acesso em: 10/03/2014.
[30] AGOSTINHO. Contra epistolam manichaei quam vocant fundamenti liber unus. 4, 5. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/contro_lettera_mani/contro_lettera_mani.htm>. Acesso em: 10/03/2014. (A tradução e os colchetes são nossos).
[31] AGOSTINHO. De utilitate credendi ad Honoratum liber unus. 17, 35. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/utilita_credere/utilita_credere.htm>. Acesso em: 10/03/2014. (A tradução é nossa).
[32] AGOSTINHO. Sermo 131. 10.  Disponível em: < http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_167_testo.htm>. Acesso em: 11/03/2014. (A tradução é nossa).

[33] AGOSTINHO. Sermo 4. 34. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_004_testo.htm>. Acesso em: 11/03/2014. (A tradução é nossa).
[34] AGOSTINHO. Sermo 47. 27. Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_058_testo.htm>. Acesso em: 11/03/2014. (A tradução é nossa).
[35] AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. 60, 6. p. 229.
[36] Idem. Ibidem. 88, 2, 14. p. 943.
[37] AGOSTINHO. Sermo 138. 10, 10.  Disponível em: <http://www.augustinus.it/latino/discorsi/discorso_178_testo.htm>. Acesso em: 11/03/2014. (A tradução é nossa).